JARAGUÁ, PAISAGEM-MIRAGEM:
fotografias de Flávia Gazzanéo e pinturas de Paulo Santana
O que acontece conosco, com o mundo à volta, quando uma outra realidade surge, fruto de nosso trabalho? Nas artes, a transmutação do que nos incomoda com o recorte dos elementos do real e a sua reconstituição no plano da representação. Embora saibamos que não se trate propriamente de uma substituição, parece-nos importante esta suplementação, na forma de alternativas imaginárias, ao que está prestes a desaparecer, o dar-se a ver o que ali se esvai com o tempo e por causa do descaso, da percepção anestesiada ou do acumpliciamento.

Esta intuição que antecede o trabalho, essa tomada de posição ética perante o ofício, Flávia Gazzanéo e Paulo Santana assumiram quando se dispuseram a enfrentar com lentes e tintas a colônia de pescadores de Jaraguá, tradicional bairro portuário de Maceió. Foram as duas enseadas deste porto natural que lhe proporcionaram crescer de importância, ao escoar a produção madeireira e agrícola de Alagoas e servir para o atracamento de navios na cidade, capital do estado em 1839.

Desde os primórdios, portanto, existia nesta ponta de terra um ajuntamento de pescadores e fabricantes de embarcações que caracteriza e dá vida ao espaço. Recentemente, com a chegada dos cruzeiros marítimos, resolveu a Prefeitura remodelar a região, e boa parte das antigas construções foram removidas. Antes que desapareça de todo o seu primitivo modo de vida, Flávia e Paulo decidiram fincar tripé e cavalete para fixá-lo.

São embarcações, crianças e adultos numa faina que se assemelha ao jogo, tal a satisfação do trabalho com o mar. A fragilidade das condições de vida desse agrupamento não deixa de transparecer nas pranchas de madeira manchadas e na dança das garças brancas, mas o fato de se poder pintar e fotografar em contato com uma realidade envolvente, entre lufadas e iridescências, risadas e discussões, faz com que da confusão sobressaia um sorriso, um arranjo novo proveniente do recorte e das composições artísticas de Flávia e Paulo.

Toda paisagem é construção, é fixação de subjetividades, um apelo à participação do observador, linguagem, artifício e imagem. Nas artes visuais, é também miragem, efeito ótico em fotografia e pintura que extrai da luz solar uma realidade à sua feição, por vezes sonhada. Um mundo melhor, talvez? Flávia Gazzanéo, com sua acuidade, fotógrafa quase birdwatcher, observadora da natureza; Paulo Santana, com sua pintura em óleo sobre tela en plein air (ao ar livre) e alla prima (sem estudo preparatório, após uma única aplicação do pigmento), são esses fazedores de mundos de que precisamos para viver melhor.


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